Crikka Amorim - Foto: Fábio Vizzoni

Lá pelos idos de 1986, ano do Plano Cruzado, do primeiro fim do Fusca e do boom da Xuxa e do RPM, entre passagens memoráveis (e outras nem tanto assim), a cantora e compositora paulistana Rita Lee apresentava semanalmente, no Rio e em São Paulo, um programa de rádio chamado “Rádio Amador”, em que recebia convidados, interpretava personagens, tocava canções de artistas esquecidos e lançava novos nomes do cenário musical, através de fitas demo enviadas para a 89 FM (São Paulo) e Rádio Cidade (Rio de Janeiro).

Em uma destas edições, Rita, então com 38 anos, mostrou em primeira mão aos ouvintes uma jovem cantora carioca, recém-saída do grupo Garganta Profunda, em sua primeira gravação solo. Seu nome era Cristina Amorim, e a música, “Cidade maravilha”. Rita Lee gostou tanto do que ouviu que, ao longo do programa, repetiu a música e declarou: “ – Cristina Amorim: vocês ainda vão ouvir muito este nome! olha que voz…”.

O tempo passou, muitas águas e sucessos rolaram e hoje, 21 anos depois, Rita Lee, agora avó e cidadã carioca, está às vésperas de completar 60 anos de vida. Avessa a comemorações (seu aniversário é no próximo dia 31 de dezembro), a mais perfeita tradução de Sampa ganhou um presente pra nenhum fã xiita botar defeito: um disco-tributo, reunindo 11 canções marcantes de sua safra, cantadas por aquela mesma Cristina que, de nome repaginado, agora atende por Crikka Amorim.

Em “Pirataria – Rita Lee por Crikka Amorim”, lançado neste dezembro de 2007 pela gravadora Saladesom e distribuído pela Brazilmúsica!, Crikka retribui todo o carinho (e mais um pouco) oferecido a ela por Rita Lee através das ondas de rádio, duas décadas atrás. Um dos grandes feitos do álbum, produzido por André Agra e com pesquisa de repertório realizada pelo jornalista Beto Feitosa, é justamente fugir da fórmula pronta – a regravação de grandes sucessos – para mergulhar de cabeça em composições quase desconhecidas do grande público, como “De pés no chão”, faixa do LP “Atrás do Porto tem uma cidade”, de 1974, primeiro disco gravado por Rita Lee após sua expulsão dos Mutantes. Nesta nova versão, Crikka Amorim, acompanhada pela cantora Penha Pinheiro, propõe uma alfinetada a mais na letra bem-humorada escrita por Rita: ”É só questão de gosto / Lacinhos cor-de-rosa ficam bem num sapatão / Oh, yeah!”.

Abrindo o CD – o segundo gravado por Crikka Amorim – “Bem-me-quer” (1980) perdeu a sua aura disco’ para se transformar em um belo blues, com forte influência de uma outra canção da roqueira: “Pagu”, feminista parceria de Rita Lee com Zélia Duncan lançada em 2000. Em seguida, “O futuro me absolve” (1978), “Mamãe natureza” (74) e as popularíssimas “Papai me empresta o carro” e “Chega mais” (1979). Do clássico LP “Fruto Proibido”, de 1975, vieram “Esse tal de Roque Enrow” (Rita e Paulo Coelho) e a deliciosa faixa-título, escrita por Rita e Lee Marcucci.

Entre os vocais de Lucina, João Pinheiro e Masako Tanaka, a percussão de Jadna Zimmermann, a flauta de Flávio Paiva e as guitarras de Pedro Reis, Nito Lima e Walter Villaça, entre outros músicos, surge no meio do CD uma grata surpresa: o acordeom de Marcelo Caldi, que desconstrói a melodia original de “Desculpe o auê” (1983), convertendo-a em uma balada ainda mais romântica. Marcelo marca presença também em “Menino bonito” (1974), que, sob a presença do baixo de Mathias Correia, se torna totalmente acústica.

Mas, entre todas as surpresas do CD (foto), é na última faixa que está a maior de todas. Em “Modinha”, composição de Rita Lee que encerrava o lado B do disco “Babilônia” em 1978 (quase como um “adeus” ao som pesado do Tutti Frutti, grupo que a acompanhou por quatro anos), Crikka Amorim abre o microfone para a pequena Nina, filha do produtor André Agra. Sobre este inusitado momento, Crikka conta com exclusividade para o blog: ” – Nina acompanhou toda a gravação do CD e sabia todas as músicas, fazia coreografias para cada uma. Quando eu estava gravando ‘Modinha”, era logo após o nosso aniversário (eu faço no dia 14 e ela no dia 15 de abril), e aí percebi que ela estava cantando junto comigo. Então pedi que ela gravasse de presente de aniversário pra mim… viu que lindo que eu ganhei? ela gravou de primeira!” – afirma.

Como em (quase) tudo na vida é impossível deixar de lado a memória afetiva, Crikka Amorim relembra o dia que foi anunciada no rádio por seu ídolo: ” – Foi uma das coisas mais emocionantes que eu já senti! era a coisa da primeira vez, percebe? (risos). Eu me ouvindo na rádio e a Rita Lee falando meu nome várias vezes, e eu chorava, gritava, gargalhava… lindo! eu não acreditava no que estava ouvindo!” – afirma.

Beto Feitosa, que durante meses trabalhou na seleção de músicas para este CD, também falou sobre a escolha da músicas: ” – Dava para ter feito um álbum triplo! a gente ficou especialmente encantado por vários “lados B”, como “Ambição” (que a Crikka não conhecia e adorou!), “Doce vida” (que ela canta há milênios) e “Bobagem” (uma das primeiras músicas do repertório de Crikka). Curiosamente os greatest hits foram as últimas definidas.

E Crikka aumenta a lista: ” – “Coisas da vida”, “Disco voador” “Dançar pra não dançar”, “Barata tonta”… e mais um monte! acho que vou fazer o volume dois, três… (risos)”.

Dona de uma voz poderosa, que passeia livremente entre o rock, o pop e a música popular brasileira, além de uma irreverência muito peculiar, tal qual Rita Lee, Crikka Amorim revela um pouco do que sentiu ao revisitar parte da história de alguém que a influenciou profundamente como cantora e compositora: ” – Era uma responsabilidade enorme, misturada com uma indescritível sensação de prazer! a música da Rita me é tão familiar que, tirando a dor de ter que escolher umas poucas, entre tantas músicas maravilhosas, tudo fluiu naturalmente! e o mais legal, entre as coincidências que permeiam nós duas, é que ela abençoou este CD no Dia do Rock! foi incrível!.

2 thoughts on “Crikka Amorim “pirateia” Rita Lee em disco-tributo

  1. É Master vc escreve com tanta paixão que parece que estou escutando as canções desse CD!!!!!!!!!
    Parabéns: Beto Feitosa , Crikka e pra tds que trabalharam nessa produçáo….
    beijos

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