Chico Buarque iniciou a década de 1980 com dois LP’s (Vida, 1980, e Almanaque, 1981) e parou. Quer dizer, promoveu uma pausa em disco. Neste ínterim, produziu canções para outros projetos, como o espetáculo O grande circo místico e o filme Para viver um grande amor, de Miguel Faria Jr., ambos de 1983. No mesmo ano, fez um dueto com Elba Ramalho em Se eu fosse o teu patrão, no LP Coração Brasileiro.

Mas um álbum de inéditas que era bom, nada. Três anos de espera.

Veio o ano de 1984 e, com ele, toda uma euforia fugaz chamada Diretas Já. Cinelândia e Praça da Sé lotadas, palanques com políticos e artistas, e o povo clamando pelo fim daqueles 21 anos de governo militar que só produziram sofrimento, dor, atraso e canções de protesto – muitas delas compostas por Chico ou Julinho da Adelaide, seu pseudônimo. E lá no alto daqueles palanques que levantavam a massa estava Chico, junto com Elba Ramalho, Franco Montoro, Fafá de Belém (a “musa” das Diretas Já), Beth Carvalho, Ulysses Guimarães e tantos outros nomes.

Na verdade, entre 1983 e 84, Chico Buarque preparou as canções que romperiam o silêncio fonográfico de três anos. E foi o que aconteceu: lançou um disco homônimo, de capa com cores quentes e músicas vibrantes tal qual a ocasião pedia, afinal, o grande porta-voz da indignação brasileira (vide Apesar de Você e Cálice, por exemplo), tinha que reproduzir em letra e música aquele momento tão aguardado.

O LP Chico Buarque abria os trabalhos com Pelas Tabelas. Composta no fim de 1983, fala “daquela gente de blusa amarela, daquele bocado de gente descendo as favelas”, prenúncio do que viria no ano seguinte. Brejo da cruz aborda o problema da fome no país, do povo que vive na rua, a “se alimentar de luz”. Mil Perdões foi composta para o filme Perdoa-me por me traíres, de Braz Chediak: “Te perdõo / por fazeres mil perguntas / que em vidas que andam juntas ninguém faz… te perdôo por te trair”.

As parcerias não ficaram de fora daquele LP. Tantas palavras, composta com Dominguinhos, tem história curiosa: a versão incluída na trilha da novela Sabor de Mel em 1983 tem uma letra; já a versão do LP de Chico é diferente. Entre as mudanças, “Frenesi” virou “C’est Fini”. Lado a lado, Chico e João Bosco compuseram e interpretaram Mano a Mano. Pablo Milanês esteve com Chico em Como se fosse a primavera (canción), composta por Pablo e Nicolás Guillén.

Mas a grande canção de Chico Buarque 1984 é justamente a última faixa do LP. Vai Passar, composta com Francis Hime, virou o hino das Diretas Já. Depois de duas décadas amordaçados, o povo (e Chico) lavavam a alma naqueles versos – e nas ruas. Confira a letra:

Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo da velha cidade
Essa noite vai se arrepiar
Ao lembrar que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais

Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval, carnaval, o carnaval
(Vai passar)
Palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
E os pigmeus do bulevar
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear
Ai, que vida boa, olerê, Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê, Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral
Vai passar

Músicas:
Pelas Tabelas (Chico Buarque)
Brejo da Cruz (Chico Buarque)
Tantas palavras (Dominguinhos e Chico Buarque)
Mano a Mano (João Bosco e Chico Buarque) – Participação especial: João Bosco
Samba do grande amor (Chico Buarque)
Como se fosse a primeira (Canción)(Pablo Milanês e Nicolás Guillén) – Participação especial: Pablo Milanês
Suburbano coração (Chico Buarque)
Mil perdões (Chico Buarque)
As cartas (Chico Buarque)
Vai passar (Francis Hime e Chico Buarque)
Produzido por Homero Ferreira
Co-produzido por Chico Batera
Direção Artística: Marco Mazzola

4 thoughts on “Discoteca: Chico Buarque (Barclay, 1984)

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