Diamante verdadeiro. O nome da música de Caetano Veloso cai como uma luva para definir o LP Álibi, de Maria Bethânia. Lançado no final de 1978, o disco consagrou de uma vez por todas a abelha rainha como uma das maiores cantoras do Brasil. Nascia ali a “Bethânia Superstar”, um fenômeno em venda de discos que se repetiria em Mel (1979) e Talismã (1980).

Onze faixas, onze diamantes. De um jovem compositor alagoano chamado Djavan, veio a faixa-título. O mano Caetano enviou, além de Diamante verdadeiro,  uma parceria com Waly Salomão modestamente chamada A voz de uma pessoa vitoriosa, que em seus versos traz um trecho que cai como uma luva sobre Maria Bethânia: “E quando ela aparece / cantando gloriosa / quem ouve nunca mais dela se esquece”.

Proibidas liberadas
Em 1978, o Brasil começava a dar passos largos em direção à anistia aos exilados políticos e ao fim da ditadura. No meio deste processo, a censura começou a se abrandar, tanto que duas emblemáticas composições de Chico Buarque – censuradas na primeira metade da década de 1970 – foram liberadas naquele ano: Apesar de você, que Chico gravou em um compacto de 1970, e Cálice, canção de protesto escrita com Gilberto Gil em 1973, apresentada pela primeira vez no Festival Phono 73 com direito a microfones cortados pelos censores.

A primeira, Chico Buarque colocou encerrando o seu LP “da samambaia” (ver Polaroid abaixo); a segunda, Bethânia imortalizou em Álibi: “Pai, afasta de mim este cálice” (ou seria cale-se?).

Resgates, saudades, traições e memórias de amor
Dois duetos históricos da MPB estão no disco, um em cada lado: no A, Bethânia recebe a Marrom Alcione em O meu amor, canção de Chico Buarque vinda diretamente da Ópera do Malandro, um sucesso arrebatador no teatro. Na canção, Bethânia é Terezinha e Alcione é Lúcia, as duas mulheres do Malandro de jeito manso. No lado B, a convidada é Gal Costa, e juntas entoam os versos de Sonho meu, um samba de roda escrito por Dona Yvonne Lara e Délcio Carvalho para buscar o amado que mora longe.

Alcione (Lúcia) e Bethânia (Terezinha) e o "LP Samambaia" de Chico Buarque (foto: autor desconhecido)
Alcione (Lúcia) e Bethânia (Terezinha) e o “LP Samambaia” de Chico Buarque (foto: autor desconhecido)

Em meio a novas e emblemáticas canções, Álibi traz dois resgates primorosos da música brasileira, um em cada lado: no A, Ronda, um clássico de Paulo Vanzolini que nos leva a um passeio pelos bares da Avenida São João de 1951. No B, o bolero Negue, de Adelino Moreira e Enzo de Almeida Passos, de 1960. Duas canções “dor-de-cotovelo” que retratam o amor em meio a relações conturbadas:  na primeira, a mulher traída, desencantada da vida, que encontra seu homem “bebendo com outras mulheres, rolando dadinhos, jogando bilhar”, resultando em tragédia; na segunda, o questionamento doído e direto: “Diga que já não me quer / negue que me pertenceu / e eu mostro a boca molhada / ainda marcada pelo beijo seu”.

De Chico Buarque, o pedido de libertação direto é feito em De todas as maneiras:
“(…)
Já nos amamos com todas as palavras feitas pra sangrar
Já nos cortamos
Agora já passa da hora
Tá lindo lá fora
Larga a minha mão
Solta as unhas do meu coração
Ele tá apressado
E desanda a bater desvairado quando entra o verão”.

No entanto, é com uma obra-prima de Gonzaguinha que o amor extravasa de vez. Em Explode coração, a mensagem de amor da mulher que, feito louca, alucinada e criança, não consegue mais segurar o sentimento disfarçado, escondido e dissimulado. Um dos maiores sucessos de Maria Bethânia em sua carreira.

Fechando o disco, os versos e o cavaquinho de Rosinha de Valença retratam a beleza e a simplicidade da vida do campo em Interior, a única música do disco que não se tornou um hit nas rádios mas, nem por isso, deixa de ter o seu valor. Uma carta com um pedido de envio de cheiros e sentimentos que só o interior guarda:
“Maninha me mande um pouco
Do verde que te cerca
Um pote de mel
Meu coleiro cantor, meu cachorro veludo
E umas jaboticabas
Maninha me traga meu pé de laranja-da-terra
Me traga também um pouco de chuva
Com cheiro de terra molhada
Um gosto de comida caseira
Um retrato das crianças
E não se esqueça de me dizer
Como vai indo minha madrinha
E não se esqueça de uma reza forte
Contra mau-olhado”

No encarte do LP, Bethânia revela: “Interior, Rosinha fez pra mim. Quando gravei e ela ouviu, me pediu para dedicar a Clara Maria, minha irmã e madrinha. Aqui está”.

Um grande disco que atravessa o tempo e nunca sai de moda – como qualquer clássico. Um verdadeiro diamante.

Canções:
Diamante verdadeiro (Caetano Veloso)
Álibi (Djavan)
O meu amor (Chico Buarque) – Participação especial: Alcione
A voz de uma pessoa vitoriosa (Caetano Veloso e Waly Salomão)
Ronda (Paulo Vanzolini)
Explode coração (Gonzaguinha)
Negue (Adelino Moreira e Enzo de Almeida Passos)
Sonho meu (Dona Yvonne Lara e Délcio Carvalho) – Participação especial: Gal Costa
De todas as maneiras (Chico Buarque)
Cálice (Gilberto Gil e Chico Buarque)
Interior (Rosinha de Valença) – Participação especial: Rosinha de Valença
Ficha técnica:
Direção de produção : Perinho Albuquerque e Maria Bethãnia
Técnico de gravação: Ary Carvalhaes
Aux. Técnico: Vitor Julinho
Mixagem: Ary Carvalhaes
Montagem: Barrozo
Projeto gráfico original de Oscar Ramos e Luciano Figueiredo
Foto da capa: Marisa Alvarez Lima
Agradecimentos a Roberto Menescal e Lenia Grilo
Arranjos e regências: Perinho Albuquerque

2 thoughts on “Discoteca: Maria Bethânia, Álibi (Philips, 1978)

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