Henrique Bartsch fala sobre a biografia alucinada da rainha do Rock

Henrique Bartsch e Rita Lee

Ela nasceu, cresceu e apareceu! Foi mutante, cilibrina, mãe, tia e avó do nosso querido “roque brasilês”. Disso todo mundo já está ruivo de saber. O que ainda irão descobrir, é que por trás da história musical de Rita Lee, existe uma vida real marcada por sorrisos e lágrimas, que compuseram sua identidade nas palavras e canções.

O livro é narrado por Bárbara Farniente, uma vizinha aloprada e esquisita que foi infernizada pelas travessuras da pequena sardenta desde a gestação até o auge do sucesso. Henrique Bartsch, autor desta obra de “ficção-não-ficção”, desvenda ao Música e Letra (quase) todos os segredos que envolvem o código misterioso de La Farniente. É ler pra crer.

Vamos começar do contrário, já que o livro começa do fim, que é um início, sempre. Depois de ser pensado, escrito, editado, esquartejado, reescrito, corrigido e lançado aos leões: você se sente um pouco livre?
Um livro sendo escrito deita com você todos os dias, acorda com você, caminha com você e interfere em todos os aspectos de sua vida. Inclusive ri de sua cara e diz “você não vai conseguir me publicar” (risos). A vingança só vem quando você pega o objeto publicado em mãos, sente que despedaçou o monstro e agora ele será espalhado pelos quatro cantos do mundo para que os leitores o ajudem a digerir o flagelo. O parto é doloroso, mas os filhotes sempre compensam o crime.

O livro foi lançado em 06/06/2006 na livraria Para Ler, em Ribeirão Preto. Como anda a divulgação, a receptividade e a leitura do público de Rita Lee mora ao lado?
Fico impressionado com as “coincidências” deste lançamento. O livro saindo, os Mutantes voltando, Rita Lee em Ribeirão depois de muito tempo, os Mutantes tendo terminado sua fase progressiva no 06/06/1978 também aqui em Ribeirão. Tudo ao mesmo tempo agora. A divulgação tem sido muito boa, contanto com a simpatia de muitas pessoas, principalmente dos mais temidos, que são os fãs da Rita, que poderiam abominar a aventura. A receptividade irei medir assim que as pessoas forem lendo e dizendo o que acharam. Até agora só os amigos leram, então é só alegria.

O livro é narrado por uma personagem que nasceu, cresceu e “sobreviveu” ao lado de Rita Lee por toda sua vida e sabe, bem mais que muitos, como foi a trajetória da estrela do rock. Como surgiu a idéia de fazer um personagem para compor uma biografia “real”?
A primeira parte da ideia surgiu de uma “cobradinha” que dei na Rita, já que nos falávamos há um certo tempo, de que ela contasse aspectos da vida dela que só os fanáticos sabiam, embora não tudo, e que iam além do que se conhecia na arte dela. A outra parte, me inspirei num filme do grupo anarco/humorístico, o Monty Python, inglês, que fez um filme chamado “A vida de Brian”. Neste filme uma pessoa nasce na mesma hora e ao lado de Jesus Cristo. E daí tem sua vida bagunçada totalmente por este “pecado” geográfico. E embora anônimo, tem sua vida atrelada à do Cristo. Então juntando as duas, propus à Rita um personagem fictício para bisbilhotar a história, principalmente com muito humor.

Rita é ela e ela é Rita! Bárbara Farniente pode ser considerada uma coadjuvante ou personagem central desta ficção-não-ficção?
Sem estragar a história para quem ainda não leu, trata-se de um espelho. Uma é a outra e a outra é a uma. O final é a efetivação de toda a utopia hippie do “paz e amor”, em tempos tão conturbados e indiferentes em que vivemos, onde a brutalidade em todos os sentidos está banalizada. E o símbolo de toda esta explosão, é Rita Lee. E é um livro extremamente feminino.

O livro de Henrique Bartsch, Rita Lee mora ao lado

Muitas histórias que envolvem Rita são citadas por Bárbara numa viagem entre o real e o irreal. Qual é a sacada para o leitor descobrir o que a cantora realmente viveu e o que foi apenas delírio da mente imaginária de Farniente?
O real só é presenciado por quem está envolvido naquele momento em uma situação. À partir daí, são pontos de vistas. Dez pessoas envolvidas contarão dez histórias completamente diferentes. Assim sendo, acho que o ponto crucial do livro é deixar para que as pessoas envolvam seu próprio imaginário e filtrem para si o que lhes pareça real ou não. E afirmo que a parte imaginária é muito pequena. Na maioria das vezes serviu apenas para juntar uma história à outra, como fio condutor. Nada do que se diz sobre a Rita é imaginário.

O que bate no fundo de nossa identidade, em emoções, comoções e risos, é o velho testamento, a infância moleca e a relação de Rita com os pais e as irmãs. Foi a parte mais trabalhosa de escrever e/ou imaginar?
Escrever a primeira parte foi o mais prazeroso e rápido. Acho que vai ajudar todos que lêem a lembrar também suas passagens na infância. Mas uma fase tão feliz termina com um golpe cruel de realidade, na última página desta sessão, que é a expulsão sumária dela dos Mutantes, feita por aqueles que ela tanto amava. E é no desenvolvimento desta primeira parte, que vemos de onde veio toda a criatividade dela.
No segundo ato, a barra já começa a pesar um pouco, com perdas e situações que precisam ser solucionadas. Esta segunda parte, escrevi em um clima bem diferente da primeira, pois também tive perdas familiares e praticamente fiquei um ano sem escrever. Quando voltei, eu era uma outra pessoa, e isso ajudou a dar o tom diferente aos dois testamentos.

Bárbara é, digamos, uma garota de sorte. Conheceu meio mundo por conta de seu imã com a vizinha famosa. Na história, ela cita dezenas de nomes importantes em situações comprometedoras, de Dalva de Oliveira até Nelson Motta. Já houve reação dos envolvidos? Não dá um medo de ser processado?
Quem reagiu primeiro foram as editoras contatadas, antes da Panda Books, que editou o livro. Primeiro já tremiam na base quando se dizia que era um livro sobre Rita Lee. A primeira pergunta, antes de lerem uma só palavra, era “Mas ela sabe disso?”. Daí surgiu a ideia dela escrever a orelha, pois quem apresenta um livro, logicamente sabe que ele existe, certo? Mas acho que todos os envolvidos ficarão orgulhosos de fazerem parte de uma história tão rica, e também por ser uma época em que sexo, drogas e rock’n’roll tinham seu glamour. Hoje já não é tão bem assim. Mas vamos aguardar, batendo firmemente na madeira.

Ao dar de cara com sua biografia “alucinada”, Rita Lee relutou em lançar ou abençoou o projeto de primeira?
Meu compromisso ético com ela foi de que primeiramente nos divertiríamos com aquilo, e depois se aprovado eu iria tentar a publicação. Ela leu os primeiros capítulos, ainda em forma bruta, depois leu quando terminei, com partes que viriam a ser eliminadas por mera construção literária. E não pediu nenhum corte.

Bartsch e a lendária guitarra dourada dos Mutantes, comprada em 1972

Sua ligação com os Mutantes é, deveras, de longa data. Chegou a comprar a guitarra de ouro de Sérgio Dias, construída por seu irmão Cláudio e famosa por seus mistérios, e ainda gravou aquele se foi o último show (mesmo) da banda, em 1978. Como é para você hoje esta re-união de Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e Dinho Leme? Aprovado?
Quando você ouve dizer que um defunto morto e enterrado, de repente está novamente de volta ao mundo dos vivos, no mínimo temos curiosidade. Eu vi os Mutantes já sem a Rita Lee. Sérgio é um exímio guitarrista, Arnaldo um carisma incontestável e Dinho emprestou sua pessoa para dizer que mais da metade lá estará. Se existisse uma boa banda cover dos Mutantes, eu iria assistir, agora imagina ver os caras ao menos uma vez, relembrando todas aquelas raridades. É Caça-níqueis? É. Mas mulher de malandro gosta de apanhar.

Em uma de suas entrevistas, você soltou essa: “Quer saber porque Rita Lee saiu dos Mutantes? No livro está explicado”. Nesta volta “triunfal” dos caras, Rita se encaixaria?
Acho que a pá de cal foi quando nos anos 1990, num show da Rita em Sampa, ela tentou reunir os três no palco, ao menos no bis. Arnaldo e Sérgio estavam por lá. Pouco antes do término do show, a mulher do Arnaldo o levou embora. Sérgio subiu e tocou, mas os Mutantes não se reuniram. Juntando isso, e mais umas coisinhas contadas no livro, dá pra saber porque ela não volta nunca. E se ela se encaixaria? Mas o lugar é dela. Quem não se encaixa são as coitadas que colocarem no lugar dela.

E já que o contrário é o fim, o início e o meio, tudo numa coisa só, vamos ao “Era uma vez…”. Como foram os primeiros contatos imediatos com Rita e as primeiras idéias de se fazer uma biografia dela, (alucinada ou não)?
Eu tinha assistido as Cilibrinas do Éden, que foi a dupla formada por Rita com a Lúcia Turnbull, e que tocaram a primeira vez numa abertura de um show dos Mutantes, na Phono 73, show realizado no Palácio das Convenções do Anhembi. Eu estava com um gravador e registrei a apresentação, em um clima nervosíssimo. Tempos depois ouvi a Rita dizendo que havia sido vaiada. Estando presente, eu sabia que ela não fora vaiada. Uma gritaria que aconteceu, foram os que estavam sentados mandando os retardatários que estavam em pé procurando lugar, sentarem. E eu sempre quis mostrar a fita para que ela mudasse de ideia.
Em 1998, através do velho ICQ, que tinha um mecanismo de busca, achei o e-mail da Rita. Fiz contato e começamos a conversar. Agora, eu conhecia a carreira da Rita desde 1966. Imagina 32 anos depois, ao encontrá-la, o quanto tinha para perguntar. Sendo extremamente simpática como só ela, respondeu a tudo, inclusive cobranças bestas que minha falta de conhecimento fazia. Conversamos durante três anos, trocando vários e-mails, e vi que existia uma Rita que não aparecia na mídia. Inclusive ela se queixava por ter colocado o nome na cantora de Rita Lee. Ela acha que deveria ter colocado um nome artístico qualquer, e deixado Rita Lee para ela própria, assim as pessoas não confundiriam sua vida privada com a pública. E daí a ideia. O mundo precisava conhecer esta história.

6 thoughts on “Ao lado de Rita

  1. Henrique,meu MANO um T.F.A. parábens pelo livro, espero que tenha bastante sucesso, só não sabia que vc ainda tem a guitarra!!!!!!
    Seu irmão, Sérginho…

  2. Eu queria a letra completa (na integra)
    da musica da rita lee – de novo aqui meu bom jose album de 1972

    obrigado muuuuuuuuuito
    sou um grande admirador dos trabalhos dessa ilumidada da musica mundial

  3. Muito legal esta entrevista com o autor de "Rita Lee mora ao lado?" E, mais legal ainda, é saber que foi através de correspondências através de e-mails que a coisa se concretizou! Parabéns ao site, ao Henrique pela obra e à Rita por seus talentos.

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