Ed Motta é um dos poucos músicos brasileiros capazes de se reinventar a cada lançamento, e sempre surpreender o público. Começou pop (com a Conexão Japeri, em 1988), mergulhou de cabeça no jazz e na soul music, passou uma temporada fora do Brasil, e foi justamente neste período que “descobriu” a música popular brasileira. Ao retornar, lançou ótimos álbuns (Manual prático para festas, bailes e afins, em 1997, As segundas intenções do manual prático, em 2000, e o sofisticado Dwitza, em 2001).

Este mês, Ed Motta está lançando Poptical, um CD que abriga tudo o que o consagrou ao longo destes 15 anos de carreira, e mais alguns elementos surpreendentes, e conversou conosco sobre esta nova etapa e outras passagens de sua vida.

Seu novo CD, ao contrário dos álbuns anteriores, volta a flertar e traz de volta o estilo pop dançante que o projetou nos anos 1980, e o consagrou nos anos 1990. Lançar um disco como Poptical, em uma nova e pequena gravadora, dá um gostinho de recomeço?
Pra mim, esse tipo de música soul, funk, pop nunca saiu dos meus discos, juntamente com o soul, o jazz, a música de cinema, que eu vim a descobrir tempos depois. Eu acho que o disco na verdade tem essa “pegada” de pop com uma influência do jazz e da música de cinema, como disse anteriormente.

Você trocou a Universal pela Trama. Como foi essa transição?
O meu contrato foi comprado pela Trama. Eu ainda tinha dois discos pra lançar pela Universal, e a Trama comprou este contrato, uma caso meio raro, assim, talvez único na história da indústria independente, que uma gravadora independente compra o contrato de um artista de uma major.

Seus últimos trabalhos traziam composições feitas outros nomes da MPB, e neste Poptical não foi diferente: Adriana Calcanhotto, Nelson Motta e Seu Jorge, entre outros. Como surgiram essas parcerias e, consequentemente, como surgiram as canções?
Eu sempre faço as músicas antes, a grande maioria no piano, algumas no violão, principalmente quando estou viajando e não tenho a possibilidade de estar com o meu piano. Quando eu tenho um grupo de canções que eu acho que são essas que eu quero, eu mando para os letristas, como o Nelsinho Motta, ou para compositores, como a Adriana Calcanhotto, o Jair Oliveira etc.

Poptical, o novo CD de Ed Motta

Você trabalhou com Almir Chediak, recentemente assassinado. Como você recebeu a notícia de sua morte, e de que forma você poderia classificar este desfalque para a música popular brasileira?
Essa ficha não caiu pra mim até agora, devido a ele ser um cara tão presente na minha vida. Almir foi um dos meus primeiros professores de música. Eu fui aluno dele quando morava no Grajaú (zona norte do Rio de Janeiro), ainda muito garoto, estudei pelo método dele. É uma perda imensa para a música brasileira, pelo fato dele ter criado os songbooks, de hoje se ter um registro musical de todos esses artistas, de hoje se ter livro de partituras, de Ary Barroso a Rita Lee, entendeu? Então é uma perda gigantesca, é um nome que fica pra sempre na música brasileira. Eu sempre disse isso pra ele, um grande amigo que eu vou sempre sentir muita saudade.

As músicas do seu novo disco estão à venda na internet. Qual a sua opinião sobre o formato MP3 e sua distribuição, toda a briga em torno do Napster, e, consequentemente, com a pirataria?
Eu acho que a gente vive um período de fim dos tempos em relação a valores, as coisas são incontroladas. Por exemplo: em relação a MP3, das pessoas poderem baixar as músicas, é uma facilidade de ouvir os discos e tal. Quanto a comercialização pela internet eu acho interessante, só espero e torço que isso não acabe com a mídia do disco, como o CD terminou com o vinil. A pirataria é mais uma vertente do caos nos novos tempos…

Até porque entra toda uma questão de direitos autorais, o mercado fonográfico pode até vir a desaparecer com a pirataria, não?
É, mais ou menos, mais isso é meio relativo, porque, não é bem assim, essa história é meio mal contada, sabe? O mercado fonográfico não pode acabar por causa da pirataria. Eu não acredito que um oligopólio gigante como a Sony, por exemplo, seja ameaçado por causa de um camelô. As vezes os piratas tem o disco antes de sair nas lojas, ou seja, alguém da gravadora dá esse disco para os caras, isso é uma coisa que as pessoas ficam com uma imagem um pouco “romântica”, falta um pouco de “Sherlock Holmes” nessa visão de disco pirata aí, e eu acho que talvez o mocinho seja o bandido.

Você tem algum projeto de fazer um disco só de intérprete, gravando por exemplo, Cassiano, Stevie Wonder ou , até mesmo o seu tio Tim Maia?
Olha, isso eu tenho vontade, quando eu estiver bem velho, velhão, rapaz… (risos), mas enquanto eu tiver força e idéias pra continuar compondo, eu não quero fazer isso não!

Além da Edna, sua esposa, da gastronomia e dos vinhos, uma das suas paixões são discos de vinil. Você ainda continua percorrendo lojas com a sua “vitrolinha” à caça de raridades?
Sempre, toda hora! Isso é um vício incontrolável!

Você foi o responsável por organizar a primeira coletânea de Cassiano, um artista brilhante, símbolo da black music nos anos 1970, mas que infelizmente foi esquecido pela mídia. Como se deu a reunião dessas canções?
Hoje em dia é mais fácil conseguir discos de música brasileira, mas na época, era muito difícil conseguir esses discos que, em vinil eram caríssimos e raríssimos. Hoje as pessoas já conseguem em CD, e eu achava um absurdo o Cassiano não ter um CD dele, não somente no Brasil, mas também pelo interesse pela música brasileira no exterior.

O que você tem ouvido ultimamente? O que tem tocado no rádio chama a sua atenção?
O que toca em rádio hoje, definitivamente… olha, o que tocava em rádio só me interessou na época do Bee Gees (risos), Rádio Tamoio, Mundial, isso era o que eu ouvia, sabe? Mas depois que virou essa coisa comercial. A black music de hoje é chata, o rock é chato, o rap eu acho a coisa mais horrorosa do mundo. O que toca na minha vitrola é jazz, rock, soul, John Coltrane, Frank Zappa, Edu Lobo, Tom Jobim, Led Zeppelin…

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