Qualquer um de vocês, meus caros leitores, certamente já ouviram falar do Tropicalismo – movimento pop-cultural que surgiu na década de sessenta e nela mesmo se acabou. Caetano Veloso e Gilberto Gil foram os nomes que mais se destacaram, porém muitos outros integrantes da estrutura deste movimento, foram pedras essenciais da construção da História. O Tropicalismo criou seus filhos, seus descendentes, e alguns de seus principais formadores se viram renegados e jogados às traças.

Com o fim do movimento, poucos deles conseguiram sobreviver, ou ficaram anos esperando um lugarzinho no céu quadrado do gosto popular. Não caíram, pois, na armadilha do capitalismo social e receberam um grave castigo por isso. Entre os excluídos, um poeta que fez a cabeça de muitas pessoas, mas seu mérito não foi devidamente regenerado entre os tropicas.

Alguém aí já ouviu falar de Torquato Neto? Pois bem, (re)apresento-lhes…

Torquato, um piauiense de 1944, conheceu Caetano, Gil, Gal e Bethânia desde o colégio, em Salvador. Ali nascia uma grande amizade entre os pré-revolucionários da música. Mudou-se para o sudeste, em 62, juntamente com a trupe baiana, para estudar jornalismo no Rio. Chegou a exercer a profissão sem mesmo ter se formado, afinal era poeta, tinha uma escrita perfeita para o jornalismo romântico da época. Escrevia uma coluna de música no famoso jornal “Última Hora”.

Os poemas de Torquato marcaram decisivamente o movimento tropicalista. É dele uma das letras mais belas do disco-manifesto “Tropicália ou Panis et circenses”, em parceria com Caetano Veloso (foto, acima), “Mamãe, Coragem”, gravada na voz de Gal, representa toda a dor e sofrimento das mães que perdiam seus filhos para a dureza do regime militar.

Mamãe Coragem
(Torquato Neto / Caetano Veloso)
Mamãe, mamãe não chore
A vida é assim mesmo eu fui embora
Mamãe, mamãe não chore
Eu nunca mais vou voltar por aí
Mamãe, mamãe não chore
A vida é assim mesmo eu quero mesmo é isto aqui
Mamãe, mamãe não chore
Pegue uns panos pra lavar, leia um romance
Veja as contas do mercado, pague as prestações
Ser mãe é desdobrar fibra por fibra os corações dos filhos
Seja feliz, seja feliz
Mamãe, mamãe não chore
Eu quero, eu posso, eu quis, eu fiz, Mamãe, seja feliz
Mamãe, mamãe não chore
Não chore nunca mais, não adianta eu tenho um beijo preso na garganta
Eu tenho um jeito de quem não se espanta (Braço de ouro vale 10 milhões)
Eu tenho corações fora peito
Mamãe, não chore, não tem jeito
Pegue uns panos pra lavar leia um romance
Leia “Elzira, a morta virgem”, “O Grande Industrial”
Eu por aqui vou indo muito bem , de vez em quando brinco Carnaval
E vou vivendo assim: felicidade na cidade que eu plantei pra mim
E que não tem mais fim, não tem mais fim, não tem mais fim

Torquato também parcerizava suas poéticas letras junto a nomes como Edu Lobo, com quem fez “Pra dizer adeus”, com Luiz Melodia em “Começar pelo recomeço”, com Jards Macalé, “Let´s play that” e com Gilberto Gil (foto, à direita) cozinhou sua “Geléia Geral”, “Domingou”, entre outras.

O poeta, em seu mais ambíguo sentido, morreu como um clássico modo de sua profissão. Após a comemoração de seu vigésimo oitavo aniversário, suicidou-se no banheiro de sua casa, asfixiado com gás de cozinha.

Ao seu lado foi encontrado um bilhete que dizia:

“Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar”

Hoje, nós é que sentimos saudades de um verdadeiro poeta no meio de tantas tentativas de sermos gente. Poetas nobres, que sentem a poesia como sua própria alma, revolucionando a cada palavra, sentindo a cada rima, suspirando a cada espaço em branco.

Dica de leitura: “Pra mim chega: biografia de Torquato Neto” de Toninho Vaz
Editora Casa Amarela – www.carosamigos.com.br

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