Lá em cima, no topo do Brasil, onde o sol é mais amargo e a vida é menos fácil, um Recife alegre treme culturalmente com seu povo feliz. E não é apenas o frevo pernambucano e os festivos carnavais sem fim que fazem esse povo mostrar mais os dentes. A cena independente traz em seu bojo um grande grupo de artistas que decididamente estão aptos a enfrentar o mercado musical. Se conseguem ou não, é questão de tempo. E se nomes como Nação Zumbi, Lenine, Mundo Livre S.A. já trilharam os caminhos pelo Brasil, podemos prever o futuro da banda recifiense Suvaca diPrata.

Nascendo no novo milênio, misturando funk, samba e rock, a Suvaca infiltrou-se na cena cultural do Recife tocando os clássicos que, obviamente, todos gostavam. Certamente, se continuassem a rever repertórios de glamour, a banda continuaria tendo shows e aplausos por todos os cantos. Mas, e o que teria atrás do porto? A persistência e a vontade destroem dificuldades e a Suvaca decidiu abrir seus caderninhos e mostrar ao mundo suas próprias canções, sua própria cara.

Em “entre-letras” (via e-mail) ao Música e Letra, João Leão, guitarrista da Suvaca diPrata, conta o que a banda pensa sobre o Brasil, Bush e a nova democracia da música.

“É show do Suvaca diPrata
mulher de biquíni não paga…”

A banda Suvaca diprata é, independentemente das midializações necessárias, uma grande banda. Claro! Afinal não é qualquer manifestação artística que consegue ter disponível tanto espaço e tão grande quantidade de público e shows pelo país. Chegar à fama “célebre” de um reconhecimento nacional, no sentido TV/rádios/massas, é uma preocupação, ou uma busca da banda? Vocês planejam algo nesse sentido? Como vocês lidam com isso?
João Leão: É necessário para qualquer artista encontrar meios para divulgar seu trabalho, e com a Suvaca não é diferente. Estamos sempre pesquisando maneiras de fazer o Corega Check conhecido de formas alternativas, seja disponibilizando material do disco em MP3 na internet, em diversos sites brasileiros e estrangeiros, seja enviando CDs e releases para imprensa, formadores de opinião, programadores de rádio e de programas de televisão. Por sermos uma banda independente, somos obrigados a correr por fora, mas também temos mais flexibilidade em relação às diversas maneiras de promover o nosso trabalho. Então há sim uma preocupação nesse sentido, mas não no momento da criação e da composição. Nessa hora, o único critério é o balanço, o suingue, o groove, ou como você queira chamar. O fato de “Dia D” ter tocado bastante em BG no Vídeo Show e no Caldeirão do Huck, por exemplo, foi uma surpresa muito gratificante para nós. Não fazíamos ideia de que isso iria acontecer, simplesmente mandamos o disco para uma pessoa da programação que curtiu o som e decidiu colocar a música no ar, e para a Suvaca isso gerou uma repercussão muito boa. As criticas positivas que recebemos por parte da imprensa em geral e o fato de sermos uma banda de Recife também contribuíram para despertar o interesse das pessoas.

O Clipe Dia D é uma divertida animação que mexe com poderes mundiais e referências religiosas. De quem foi a idéia de fazer essa mistureba de imagens junto ao som leve da música?
JL: A idéia surgiu da banda junto com mais dois amigos, Tony Ferreira e Matheus Asfora, que fizeram o roteiro, e depois entraram também algumas idéias do Céu D’Élia, que dirigiu e fez a animação. Foi na época do filme Farenheit 9/11, de Michael Moore, e todos estavam muito indignados (e ainda estamos) com a postura imperialista dos EUA no Oriente Médio. A mensagem original da música é simples e direta, “hoje vai ser um dia lindo, positivo, e nada vai mudar isso”. Então veio a ideia do clipe: a música fazendo pessoas de todo o mundo dançarem e se unirem, deixando de lado as diferenças de cultura, religião, etnia, e tudo mais. Mandela, Arafat e Sharon e até Tony Blair, todos dançando juntos ao som da Suvaca, e só Bush não consegue pegar um disquinho (risos).

A banda tem um cunho político irônico, sorrindo ao invés de chorar. O que a banda, em comum, pensa deste atual momento  brasileiro? Essa pateticagem política inspira vocês em novas músicas?
JL: Pois é, precisamos rir pra não chorar, como já dizia Cartola. Ainda mais aqui no Brasil, nesse momento político em que vivemos, onde os melhores dramas, comédias e novelas passam na TV Senado. Todos estão decepcionados e descrentes com os políticos em geral, porque a cada dia fica mais claro que não existem diferenças entre eles, são todos iguais. Isso pode acabar inspirando alguma ideia nova, mas buscamos sempre as influências das coisas mais positivas da vida. Se você observar com atenção, há uma forma de protesto no clipe de “Dia D”,  mas a mensagem é positiva, além de bem humorada.

A capa do single “A coisa não tá fácil” e do disco “Corega Check” trazem a figura de mulheres. O site oficial da banda também está repleto dessas figuras misteriosas. Qual a referência dessa  informação visual? Uma obsessão?
JL: O que acontece com a Suvaca desde o início é que as garotas são uma peça muito importante nos shows, porque nós fazemos um som dançante, e os rapazes só começam a dançar se as garotas estiverem dançando. Quanto mais garotas dançando no recinto, melhor é a resposta do público como um todo, e consequentemente, melhores os shows também, porque o público faz o show, tanto quanto a banda, é uma troca. Então naturalmente passamos a cultuar e reverenciar essa presença feminina nos nossos shows e no nosso som, como em “É show do Suvaca diPrata /mulher de biquini não paga”, e também na nossa identidade visual, nos cartazes de show, capas, camisetas e tudo mais. Não é uma obsessão, é adoração mesmo, brincalhona e divertida, mas cheia de admiração também.

O disco “Corega Check” está todo disponibilizado em MP3 por sites espalhados pela internet. Isso é uma certa dívida que a banda tem com a independência em todos os sentidos?
JL: Não é bem uma questão de dívida com a independência. Você vê hoje mega bandas como U2 e Rolling Stones bombando na “loja” do iTunes, vendendo cada música por US$ 0,99. É pra onde o rio corre, não adianta fechar os olhos e pensar que a internet é irrelevante no nosso trabalho. Ela é de extrema importância, mesmo que não estejamos lucrando nada com isso em termos financeiros. Recebemos mensagens de pessoas em Portugal, no Canadá e nos EUA dizendo que conheceram o somem algum site, curtiram e baixaram para seus computadores e tocadores de MP3, e elas querem saber mais sobre a banda, obter informações, até mesmo comprar o CD, porque quando o cara gosta mesmo, não quer ter só as músicas, quer encarte, letras, ficha técnica, quer algo físico, que ele possa tocar, mostrar para os amigos. Em breve certamente vamos nos acostumar a ter apenas o virtual, mas de qualquer modo, essa abrangência não seria possível, especialmente quando falamos de uma banda independente, com apenas 5000 cópias prensadas, se não fosse esse instrumento de propagação tão poderoso. E tem o nosso site, suvacadiprata.org, que é uma ferramenta muito importante para a banda em todos os aspectos. Desde datas de shows, passando por release, fotos, até o rider técnico para o contratante, tudo está disponível lá. Na verdade, vemos a internet como a principal ferramenta de divulgação do independente.

Estamos abrindo um espaço no Música e Letra para tentar uma divulgação maior da cena independente que produz algo com qualidade no Brasil. O que vocês pensam deste novo momento da música, onde não é necessário ter poder aquisitivo nem mesmo ser “descoberto” pelos olhos errôneos das gravadoras para poder mostrar a cara?
JL: Decididamente é um momento bem mais democrático no que se refere a oportunidade de divulgação e exposição do seu trabalho. Se o cara do Metallica tá lá esperneando porque não recebe tanto quanto costumava receber em direitos autorais e royalties, por outro lado tem gente no Uzbequistão baixando “Dia D”. Não é preciso mais esperar por uma gravadora que “descubra” o seu trabalho, você hoje pode mostrá-lo para todo o mundo de uma outra maneira, e sem um atravessador no meio, que muitas vezes ainda interfere com mão de ferro na parte artística. Não ganha dinheiro assim? Bom, faz tempo que quase ninguém ganha dinheiro vendendo discos, com algumas exceções, como um Roberto Carlos e as duplas sertanejas mais famosas. Mesmo assim, eles ganham muito mais em shows. Além disso, gravar um disco hoje em dia não é algo tão caro quanto era a algum tempo atrás. Existem estúdios digitais de excelente qualidade e com preços bastante acessíveis, e qualquer banda que leve a sério o seu trabalho pode planejar e atingir esse objetivo, tudo com a mais alta qualidade. E a arte da capa? Em toda banda, há sempre alguém que tem um amigo designer e que está na mesma situação, começando o  seu trabalho, precisando divulgá-lo. Esse cara vai criar o melhor encarte que você poderia querer, e de graça, ou praticamente de graça. Precisa de uma grana para a prensagem? Invente um tema, arme uma festa e faça uma boa divulgação dela, mesmo que seja na base do boca-a-boca, ou então feche uma temporada em algum bar ou casa de shows, e levante o montante necessário. Não pode é ficar só tocando no quarto, ou na garagem, e achar que isso vai fazer com que alguma coisa aconteça. No nosso caso, acreditamos que precisamos cativar nosso público, aumentar essa base fiel, acreditar nas nossas ideias musicais, desenvolvê-las e tocar cada vez mais e sempre. E para isso acontecer, a banda trabalha muito. Se um dia a Suvaca diPrata for tocar no Faustão, ou fizer uma entrevista no Jô, ou tiver uma música numa novela, vai ser consequência desse trabalho, e não de algo que um produtor musical lapidou cirurgicamente para ser um hit de rádio, ou por causa de uma imagem trabalhada na base de gel, glitter e pancake. Pode nunca acontecer. Nós acreditamos que vai sim, e mesmo que demore mais, certamente vai ser mais gostoso, porque vai ser algo verdadeiro, legítimo.

Vocês já estão planejando o segundo disco. O que podemos esperar? O que de novo o Suvaca está descobrindo?
JL: Por enquanto, as únicas coisas que podemos adiantar são que o groove continua sendo um critério, e que a simplicidade é uma meta  para o próximo trabalho. No momento, várias idéias surgem, são testadas, modificadas, aproveitadas ou descartadas. Todo mundo na banda contribui, mete o dedo e dá pitaco. Temos três músicas novas que estão no repertório do show atual, mas isso não significa que elas vão estar no próximo disco. Fazendo uma analogia com o futebol, já que está na moda, o momento de escalar a seleção está próximo, mas ainda tem muita gente que queremos ver jogando antes de bater o martelo.

Onde a gente acha o Suvaca?
JL: Nas grandes lojas virtuais brasileiras, como Submarino, Americanas ou Som Livre, no www.imusica.com.br, para comprar e baixar só as músicas, e em diversas lojas de discos alternativas espalhadas pelo Brasil, ou então no nosso site, www.suvacadiprata.org. Ainda não temos um sistema de loja virtual implantado, mas as pessoas podem nos enviar e-mails e acertar tudo com a gente, depósito, envio, etc.

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