Não é comum, nem mesmo fácil de se achar músicos de talento que apareçam pelos quatro cantos da mídia brasileira. O consumo musical dos Meios de Comunicação de Massa não digerem o clássico, o erudito ou a “música livre”.

Sem formalidades e descartando os rótulos impostos, no Brasil ou em qualquer canto do mundo, Luiz de Simone (foto) mescla a versatilidade das teclas com a coragem de enfrentar a música em seu mais apetitoso formato.

Música e Letra: Em meio a tantas variações negativas da música, empobrecendo o modo de se compôr e de se produzir música atualmente, o seu trabalho está colocado em uma das menos comerciais vertentes da arte: a música clássica. Como é lidar com essa relação do fazer artístico e seu consumo?
Luiz – Vou tentar não me alongar muito, embora esta pergunta me suscite várias reflexões. Primeiramente devo dizer que respeito todas as formas de expressões musicais. Tenho consciência de que há pessoas talentosas em todos os ramos da música. Por exemplo, eu não gosto de pagode, mas sou obrigado a admitir que há bons músicos e compositores produzindo coisas de qualidade. É um ou outro, em minha opinião, e raramente esses trabalhos de maior qualidade são os que se sobressaem na mídia. Este é outro aspecto, sinto que o que se torna realmente “pop” está nivelado por baixo. Estão jogando lixo para o povo (de todas as classes) e o povo só vai engolindo sem nem pensar no que está fazendo. Lamentável, realmente.
Outro ponto: sei que à primeira vista tem-se o impulso de dizer que o que produzo é música erudita, mas no meio dos eruditos a opinião é outra, costumam dizer que o que faço é “música livre”. Não sigo nenhuma corrente da música contemporânea e não faço nada parecido com o que qualquer colega compositor mais formal possa estar fazendo hoje em dia. Não tenho muito a coragem de dizer que minhas músicas são formalmente clássicas, mas admito que há uma grande influência dos grandes mestres da música em minhas composições. Eu definiria mais como uma música instrumental que mistura diversos elementos da música atual, rock progressivo inclusive, mas mantendo sobretudo um forte sabor erudito. Algo assim.
E quanto ao último aspecto, diria que produzir algo que seja facilmente consumível não me interessa. Não estaria fazendo músicas introspectivas para piano solo se essa fosse minha intenção. Sei que há um mercado para consumir música de qualidade feita com cuidado e requinte, mas igualmente sei que é uma fatia seletíssima. Minha maior preocupação no momento é de natureza artística e que certamente faz parte de todo temperamento criador como o meu: quero é mostrar minha criação, poder viajar pelo mundo compartilhando minhas obras com o público de toda parte. Mesmo a venda do meu disco é feita com essa intenção. Não me vejo fazendo lucros com isso. Cobro um valor que não paga nem os gastos básicos que tive e a idéia é essa mesmo, de que seja barato para que todos possam adquiri-lo facilmente.
Pensar no consumo lucrativo para a música e continuar fazendo o que faço ao meu ver não combina muito. Certamente teria que fazer mudanças radicais no meu processo de criação para torná-lo lucrativo, mesmo para um nicho de mercado mais seleto.
Bom, eu falei que a resposta ia ser longa. E olha que não disse a metade do que queria! (risos).

ML: Apesar de suas músicas serem no estilo erudito, você consegue misturar elementos de outros estilos para compôr canções que ultrapassam rótulos e conceitos pré-definidos. O que você busca para inovar seu trabalho?
Luiz – Bom, nessa pergunta foram enumerados dados importantes que mostram que o que faço não é formalmente erudito. Pelo visto essa faceta diversa do que crio é bem perceptível e evidente e acho isso muito bom. Minha busca, que certamente é a busca de qualquer artista, é encontrar uma linguagem que seja essencialmente minha. Creio que é por isso que essas primeiras criações tendem a mostrar um pouco de tudo aquilo que eu gosto de ouvir. Sou uma grande mistura de estilos e estéticas e é meio inevitável que isso transpareça nas músicas. Consigo ver um pouco de MPB (se tenho um ídolo neste mundo, creio que é o Chico Buarque), um pouco de rock progressivo, um pouco de romantismo alemão, uma pitada sutilíssima de ritmos brasileiros, um pouco dos grandes mestres russos e por aí vai. Espero que essa síntese siga amadurecendo, sendo sempre particular e única da minha pessoa.

ML: Entre teclas brancas e pretas, pedais e arranjos, como é a rotina de um pianista? Quando você começou os estudos na música e com o piano?
Luiz – Quando eu tinha 11 anos comecei a escutar uma fita cassete diariamente com o concerto para piano e orquestra de Schumann. Ouvi tanto aquela fita que um belo dia eu conhecia cada segundo da música e foi inevitável querer começar a estudar piano para um dia poder tocá-la. Comecei estudando sozinho, aprendi a ler música e comecei a escrever minhas próprias peças. Alguns tempo depois, quase com 13 anos de idade, tive minha primeira aula de piano. E desde então o tesão por tocar e especialmente criar música tem sempre me acompanhado.
Há uns dez anos comecei a trabalhar também com uma banda de rock, o Sigma 5, e ao longo deste tempo houve uma grande mistura de estilos de vida, um de roqueiro, outro de pianista erudito. Às vezes era difícil trocar meus parâmetros estético de forma tão brusca (houve ocasiões em que tive que dar um recital de piano solo e sair correndo do teatro para fazer um show com o Sigma 5), mas sempre consegui ser versátil o suficiente para manter a individualidade de ambas as vidas e ao mesmo apresentar um ponto de interseção entre estes dois mundos. Dá um certo trabalho… Mas compensa!

ML: Para você, qual é o maior pianista de toda a história da música mundial? E as outras influências?
Luiz – Chega a ser quase uma ofensa me pedir para ressaltar uma figura no meio de tanta gente com contribuições tão contundentes para música. Vou tentar simplificar e citar um grande mestre do passado e alguma figura atual que esteja fazendo a diferença. Do passado eu destacaria o monumental Claudio Arrau e do presente o ser de outro planeta chamado Evgeny Kissin.
Um grande influência para mim é o pianista e mestre (e arrisco a dizer, amigo) Luiz Carlos de Moura Castro, um grande sábio que muito me influencia com sua visão muito particular da música, do músico, do ato de tocar piano e de se fazer Arte. Costumo dizer que ele é meu grande guru musical e talvez o “Luiz pianista” que há em mim resista a tantas mudanças e intempéries por conta de sua influência tremenda.

ML: Você já viajou por toda Europa levando seu trabalho ao continente que mais difunde a música clássica no mundo. Como foi a aceitação dos europeus para com um pianista brasileiro? Qual a grande diferença em tocar na Europa e no Brasil?
Luiz – Bom, eu viajei por enquanto somente pela França (Paris, Lyon e Toulouse) e pela Alemanha (Munique e Weingarten). Ainda estou longe de poder dizer “toda Europa”. (risos). Pelo jeito agora em 2006 vou a novas cidades e possivelmente a alguns novos países, mas nada definido ainda.
O mais interessante desses “encontros” com os europeus foi ver que eles estão altamente interessados nas minhas composições, me vendo basicamente mais como um compositor que toca piano do que como um pianista que compõe. E o motivo para ter voltado uma segunda vez e estar agora planejando a terceira turnê é justamente a vontade que eles têm de conhecer coisas novas e de me ver dando continuidade à minha produção. Chegam a me cobrar mesmo, do tipo “queremos que você volta no ano que vem, mas traga mais composições novas!”. Eu acho isso interessantíssimo, pois acredito que é exatamente o que tenho de melhor para oferecer e o que me dá mais prazer de fazer. Ainda que inclua peças eruditas (Brahms, Villa lobos, Liszt, Chopin, etc) no repertório dos concertos, sinto que a atenção para esta parte é secundária, curiosamente.
No Brasil não sou a novidade que pareço ser lá, eu diria. De repente é aquele tal negócio do “santo de casa não faz milagre”, entende? Acho que pra eles de lá eu represento o exótico, o novo, aquele que mistura coisas (aliás, característica típica de tudo o que é produzido no Brasil). Espero que aos poucos consiga ter um efeito similar na minha própria terra.

Luiz de Simone, devidamente acompanhado de seu Piano Steinway
Luiz de Simone, devidamente acompanhado de seu Piano Steinway

ML: Em sua biografia consta que você antes era considerado um tecladista, porém agora é também pianista. Qual a grande diferença em trabalhar com esses dois instrumentos tão parecidos e tão distintos?
Luiz – Na verdade é ao contrário. Eu era considerado apenas um pianista, mas diria que hoje em dia posso ser chamado de tecladista também, ainda que fique à vontade de verdade em frente a um piano. Quando me vi diante de um teclado pela primeira vez eu já tocava piano, até profissionalmente mesmo, há quase dez anos.
São de fato mundos distintos e demorei um certo tempo até começar a fazer coisas no teclado que considerasse interessantes. A diferença básica eu diria que é no trato sonoro. O piano é o mundo das sutilezas, do refinamento, da busca sonora mais transcendente, das idéias requintadas… No teclado isso tudo é muito mais grosseiro, é muito mais uma questão de energia e atitude. É claro que existe refinamento e requinte no rock, mas está fora de parâmetro de comparação com o que se atinge através do trato mais profundo de um piano acústico. Existe uma palheta muito distinta de técnicas mecânicas e sobretudo sonoras, embora rudimentarmente, num nível mais superficial, o trato entre os dois instrumentos seja bem similar. Não é uma afirmação enganosa dizer que todo pianista toca teclado. É uma verdade, ainda que não estejamos aqui falando de qualidade de ideias e estilo.

ML: E o Rock Progressivo? Qual a grande importância dele para sua carreira? Quem são os ídolos responsáveis por isso?
Luiz – O rock progressivo foi minha porta de entrada para abrir um pouco minha cabeça para o mundo não-clássico. Através do convívio com o rock me tornei um músico muito mais livre e muito à vontade no palco (e também para criar). Foi fonte de idéias novas e de maneiras diferenciadas de se encarar a performance num instrumento de teclado. Os grande ídolos? Muito resumidamente, começou com Kevin Moore (Dream Theater) e Mark Kelly (Marillion), passando por Keith Emerson (ELP) e Rick Wakeman (YES) e culminando com o genial Neal Morse (Spock’s Beard). Um outro cara que me influencia muito como músico e criador é o Steve Vai.

ML: Fale um pouco pra gente da banda “Sigma 5”, a qual você faz parte como tecladista, e o trabalho feito com o guitarrista Maximiliano Santiago.
Luiz – O Sigma 5 foi praticamente fundado juntamente com minha entrada na banda em 1995. Eram meus primeiros passos no rock, meus primeiros contatos com o teclado. Cresci muito neste período, graças ao convívio com os incríveis músicos da banda, que me ensinaram a lançar um olhar mais intuitivo para o fazer musical. Lançamos dois discos, Initium (1999) e Busca (2002) e atualmente trabalhamos no nosso terceiro álbum, que já tem uma boa parte já gravada. Rodamos muito por aí, tocando, aprendendo com a própria experiência e diria que hoje em dia somos músicos bem “rodados” neste meio. Nossa atividade atual é bem tranquila, sem a mesma intensidade e constância de antes, agora que todos já têm suas vidas mais definidas (coisas que vêm com a idade – hehehe), mas mantemos a banda viva e seguimos adiante com o processo criativo e com os shows, ainda que em menor escala. No final deste mês de janeiro, aliás, tem show do Sigma 5 e da banda Fusão na mesma noite, no Mistura Fina (RJ)! A banda instrumental Fusão, que eu e o baterista do Sigma 5, João Saravia, também fazemos parte, divulga a obra e a história deixada pelo guitarrista Maximiliano Santiago.
Maximiliano foi um jovem muito talentoso que foi levado precocemente desta vida por conta de um câncer. Ele tinha apenas 22 anos recém-feitos quando morreu, deixando um CD incacabado e uma bela história de vida e de luta. Ele representa pra mim o acreditar nos sonhos até o final, mesmo quando tudo lhe indica que não haverá um amanhã. Deixou uma obra que lhe transcendeu e ainda hoje é executada (pela banda Fusão) e admirada. Seu disco gera renda para o Instituto do Câncer do Rio de Janeiro e sua luta é reconhecida por quem quer que entre em contato com sua história e sua obra. Sou uma pessoa diferente hoje em dia por ter conhecido o Maximiliano e tê-lo acompanhado até o final. Sou grato por ter aprendido tanto sobre a vida a partir dessa experiência e por saber intimamente, agora, que pouco importa o tempo de duração de nossas vidas, mas sim o que fazemos de produtivo com o tempo que nos é dado. É isso que deixa uma marca no mundo, seja palpável, na forma de obra, seja etéreo, na forma de memória.

ML: Além dos trabalhos com a banda e “solamente” com o piano, você procura se envolver com projetos paralelos, como produção e composição de trilhas para filmes, teatro e dança. Como é trabalhar com esse novo estilo de empreitada?
Luiz – De fato por vezes me vejo dentro de um projeto que não tem nada a ver com o Sigma 5 ou com meu “pianismo”. Creio que por ter sido meu próprio produtor ao lançar meu disco e me agenciar no exterior, por ter produzido o disco do Maximiliano Santiago e tal, me vejo às vezes dando uns pitacos de produtor aqui e acolá… De maneira mais direta estou envolvido agora com o disco solo do guitarrista Daniel Romani (uma verdadeira lenda do rock progressivo nacional, membro fundador da banda Módulo 1000), onde arranjarei e gravarei alguns teclados, um lance bem progressivão mesmo, à la Pink Floyd.
A parte de trilhas sonoras é muito misturada com minha carreira pianística, pois as coisas que componho para este fim acabam entrando nos meus concertos também. Como disse antes, sou um grande misturador de coisas. (risos)
Neste ano de 2006 estou cursando a pós em Música para Cinema do Conservatório Brasileiro de Música, que vai me aprofundar ainda mais neste mundo das trilhas sonoras. As portas estão sempre abertas e o importante é não cessar o aprimoramento jamais. Procuro me manter sempre em evolução e em transformação, afinal toda cristalização de idéias e conceitos neste mundo da criação artística ao meu ver é mal-vinda. Como diria Fritz Perls, “o Homem não é uma estrutura, mas um processo”.

ML: Onde podemos encontrar Luiz de Simone?
Luiz – Eu diria que o mais fácil mesmo, independente de em que ponto do planeta eu esteja, é na internet (www.luizdesimone.com.br). Fisicamente, tenho moradia fixa no Rio de Janeiro e posso ser encontrado em casa dando aulas ou então nas duas instituições onde leciono, o Conservatório Brasileiro de Música e o Centro de Tecnologia Musical Luciano Alves. As outras opções seriam nas salas de cinema cariocas, nas livrarias e cafés, na casa de amigos ou em bares degustando uma boa cerveja, mas daí é mais difícil determinar um local exato (risos).
Gostaria muito mesmo de agradecer pela entrevista e pela oportunidade de compartilhar tantos pensamentos e reflexões com os internautas frequentadores do Música e Letra. Espero que não tenham achado a entrevista longa demais e devo dizer que foi inevitável me empolgar com perguntas tão instigantes. Um grande abraço e até a próxima!

Links:
www.luizdesimone.com.br
www.maximilianosantiago.com

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