Com quantas mulheres se faz um rock? Apenas uma: Rita Lee.

Era uma vez uma garotinha ruivinha que queria ser veterinária para ajudar o planeta. A menina era tão danada que conseguiu realizar seu grande sonho de mudar o mundo, mas de outra forma: fazendo arte.

Rita nasceu em São Paulo no auge da época dourada do rock ‘n’ roll. Em uma família ítalo-americana, onde a simpatia romântica de dona Romilda, descendente de italianos, e a garra e fortaleza do seu Charles, convicto americano sulista, foram herdados pela pequena Ritinha. Junto com as irmãs mais velhas Virgínia e Mary Lee, Rita aprontava todas as picaretagens que as crianças da época nem imaginavam em uma menina. Era fã de Peter Pan, James Dean e Beatles. Inteligente e comunicativa, a ruivinha já possuía nome de artista: Rita Lee Jones.

A primeira banda de Rita chamava-se Teenagers Singers, onde as integrantes eram apenas meninas, fãs do rock beatlemaníaco que estava surgindo na época. Logo as “garotas cantantes” se juntaram com os “caras de pau” – The wooden faces – grupo de garotos que também tocavam rock ‘n’ roll, onde um dos integrantes e líder chamava-se Arnaldo Baptista, e juntos formaram O’ seis. A pequena grande banda chegou a gravar um compacto com duas faixas, “O Suicida” e “Apocalipse”. O tom das músicas era macabro e ritmados com o Ska. O’ seis não durou muito, mas se transformou nos eternos Mutantes, formado por Rita e os irmãos Arnaldo e Sérgio Dias. O grupo é considerado o grande marco zero do Rock brasileiro. Com psicodelia eminente e ideias mirabolantes, conseguiram transformar o iê-iê-iê de Roberto Carlos em uma indescritível forma de se fazer música. Com ajuda de Gilberto Gil e Caetano Veloso, Os Mutantes participaram dos Festivais da Canção e do Movimento Tropicalista, ganhando a cada dia mais admiradores. O trio gravou cinco discos no final da década de 60 e início dos anos 70, sem contar o elo perdido “Tecnicolor”, gravado na França e lançado apenas em CD, em 2000.
Rita foi expulsa dos Mutantes em 1972, quando o grupo caminhava para um sentido musical mais progressivo. Eles a consideravam um estorvo para os rumos musicais que iriam seguir. Rita se feriu e, como ela mesmo diz, “chorou três meses sem parar”.

Mas resolveu mudar e fazer tudo o que queria fazer. Após as lágrimas disse pra si quer seria, sim, a maior roqueira deste país. Escreveu sua primeira música sozinha no porão da casa de seus pais, após a expulsão: “Não sei, se eu estou pirando ou se as coisas estão melhorando/ Não sei, se eu vou Ter algum dinheiro ou se eu só vou cantar no chuveiro…” Mamãe Natureza foi o primeiro hit do novo grupo de Rita, Tutti Frutti (foto). Na banda integravam os novos parceiros da roqueira, Luiz Carlini, Lee Marcucci e Lucinha Turnbull (com quem formou a dupla Cilibrinas do Éden um ano antes).

Em 1974 o Tutti Frutti lançava seu primeiro LP “Atrás do Porto tem uma cidade” (ou segundo, se contarmos o disco perdido no ano anterior), com canções lendárias como “Ando Jururu” e a própria “Mamãe Natureza”. Rita e os tuttis cravaram sua bandeira nos anos 70 e conseguiram ser vistos como a grande banda de Rock da época. Lançaram ao todo cinco álbuns, esbanjando hits como “Agora só falta você”, “Jardins da Babilônia”, “Esse tal de Roque Enrow” e a grande referência de toda a carreira de Rita Lee, a canção “Ovelha Negra”, lançada em 1975 no auge do grupo com o disco “Fruto Proibido”.

Foi após o lançamento do “fruto” que a ruiva conheceu o grande amor de sua vida, o guitarrista Zezé, ou seja, Roberto de Carvalho. Entre teclas a quatro mãos e meias prateadas, Roberto passou a fazer parte da vida de Rita não apenas como um simples amor, mas tornando-se um novo parceiro musical. O casal se despediu da década de 70 “fazendo amor por telepatia” e deixando o país inteiro com mania de Rita Lee.

Após várias mutações, Rita entrou de cabeça nos anos 80 entrelaçada ao “pop ‘n’ roll” e ao “rockarnaval”. Firmou sua carreira ao lado de Roberto e compôs seus maiores hits, deixando o Brasil “de quatro no ato”. Depois de “Mania de Você”, Rita pariu junto com Roberto dezenas de outros sucessos, como “Doce Vampiro”, “Chega Mais”, “Lança Perfume”, “Baila Comigo”, “Caso Sério”, “Nem luxo, nem lixo”, “Saúde”, “Banho de Espuma”, “Flagra”, “Cor de rosa choque”, “Desculpe o auê”, “Vírus do amor”, “Bwana”… e mais tantas incontáveis obras que constam no “Lado B” da carreira de Rita.

A dupla Lee/Carvalho passou pelos anos 80 como um cometa, lotaram estádios, ginásios, foram os primeiros a fazerem grandes espetáculos por todo país em turnês com uma superprodução contendo cenários enormes, com dançarinos, performances e fantasias. Porém, e sempre tem um porém, os anos 80 não foram de todo positivo e deixaram uma grande marca na vida pessoal de Rita. Deixemos isso pra lá.

Uma nova década, uma nova Rita, que como boa mutante, mudou novamente. Lançou seu “último” disco em dupla com Roberto no começo dos anos 90, trazendo como faixa principal sua parceria com Cazuza, “Perto do fogo”. No ano seguinte, sem Roberto, fez seu Bossa ‘n’ roll, com releituras “calminhas” de seus hits, considerado o primeiro disco  “acústico” brasileiro. Ainda sozinha, Rita fez um programa na MTV – TVLeeZão – e um disco rock-tutti em 93. Roberto voltou em 95 na turnê “Marca da Zorra”, revendo novamente a carreira da agora “tia do roquenrou brasilês”. Foi no mesmo ano que com a Zorra, Rita abriu o show dos Rolling Stones em São Paulo e no Rio de Janeiro.

De uma hora para outra, a Zorra virou Santa. Em 97, após se recuperar de um grave acidente que esfacelou o seu “côndilo maxilar”, Rita sai em busca de sua beatificação. “Santa Rita de Sampa” pode ser considerado um dos maiores feitos da titia do rock. Nesse disco, Rita misturou de tudo, rock, pop, samba, canção infantil, e homenagens a Caetano Veloso e Fernanda Montenegro. O próximo passo foi a comemoração dos seus 50 anos em um badalado “Acústico MTV”, que transformou todo seu repertório novamente em versões sofisticadas.

Depois do acústico, muitos pensavam que Rita teria caído na onda comercial das releituras e não contavam com sua astúcia para o novo século. “3001” foi a grande odisséia que trouxe a eletricidade nas canções da roqueira eclética. Logo depois a ruiva, agora alaranjada, se fez de passarinha e abrasileirou Beatles, sublime e eficaz. “Aqui, ali, em qualquer lugar” foi histórico e rendeu bons frutos à Rita, que fez lançamentos e shows internacionais pelo mundo. A turnê beatle durou dois anos, e em 2003 a dupla volta-se aos 80s e lança um disco mais pop, “Balacobaco”, falando sobre “Amor e Sexo”, malucos e escatologia, bem recebido pelo público e com críticas pra lá de positivas. Revendo novamente o caminho de sua carreira, Rita lança um CD e DVD ao vivo pela MTV em 2004, com a participação de Zélia Duncan em “Pagu” e Pitty na histórica “Esse tal de Roque Enrow”.

A história desta ruiva não tem fim. Em plena forma, Rita dedicou 2005 ao lançamento de seu programa de TV no canal GNT, da Globosat, transformando-se em vidente, curandeira, “especialista em nada”, como ela mesmo define.

Com 13 episódios diferentes, “Madame Lee” (foto) trouxe convidados pra lá de especiais, como Tom Zé, Zélia Duncan, Fernanda Torres, Jorge Fernando, Marisa Orth, Falcão, Elke Maravilha, e outros, entre temas diversos da vida humana. E 2006 já se prevê novidades, segundo a Madame um novo trabalho está sendo preparado para voar no ano novo.
Rita Lee é indiscutível, indispensável, indescritível. Além do Rock, do Pop, sua história segue adiante, mutante, tropicalista, romântica. Rita é a grande peça no mosaico cultural brasileiro, insubstituível.

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